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domingo, 18 de dezembro de 2011

A Crise dos anos 20 e a Revolução de 1930

Nos anos vinte a sociedade brasileira viveu um período de grande efervescência e profundas transformações. Mergulhado numa crise cujos sintomas se manifestaram nos mais variados planos, o país experimentou uma fase de transição cujas rupturas mais drásticas se concretizariam a partir do movimento de 1930.
O ano de 1922, em especial, aglutinou uma sucessão de eventos que mudaram de forma significativa o panorama político e cultural brasileiro. A semana de Arte Moderna, a criação do Partido Comunista, o movimento tenentista  e a própria sucessão presidencial de 1922 foram indicadores importantes dos novos ventos que sopravam, colocando em questão os padrões culturais e políticos da Primeira República.
Do ponto de vista econômico, a década de vinte foi marcada por altos e baixos. Se nos primeiros anos o declínio dos preços internacionais do café gerou efeitos graves sobre o conjunto da economia brasileira, como a alta da inflação e uma crise fiscal sem precedentes, por outro também se verificou uma significativa expansão do setor cafeeiro e das atividades a ele vinculadas. Passados os primeiros momentos de dificuldades, o país conheceu um processo de crescimento expressivo que se manteve até a Grande Depressão em 1929.1 A diversificação da agricultura, um maior desenvolvimento das atividades industriais, a expansão de empresas já existentes e o surgimento de novos estabelecimentos ligados à indústria de base foram importantes sinais do processo de complexificação pelo qual passava a economia brasileira.
Junto com estas mudanças observadas no quadro econômico processava-se a ampliação dos setores urbanos com o crescimento das camadas médias, da classe trabalhadora e a diversificação de interesses no interior das próprias elites econômicas. Em seu conjunto estas transformações funcionariam como elementos de estímulo a alterações no quadro político vigente colocando em questionamento as bases do sistema oligárquico da Primeira República.
As disputas em torno da sucessão presidencial de1922 que abririam espaço para a formação da Reação Republicana podem ser tomadas como indicadores do esgotamento do modelo político vigente na Primeira República. O lançamento oficial desta chapa gerou, no entanto, discordâncias importantes no
seio das oligarquias regionais. Diferente das disputas eleitorais anteriores, onde o consenso em torno de um nome se fazia com relativa facilidade, neste momento vozes dissonantes emergiram para contestar a candidatura oficial.
Inconformadas com a imposição do candidato situacionista, as oligarquias dos estados de segunda grandeza (dissidentes) representados pelo Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul articularam um movimento que ficaria conhecido como Reação Republicana, lançando as candidaturas de Nilo Peçanha e J.J. Seabra à presidência e vice-presidência da República em convenção realizada em 24 de junho de 1921.
A despeito das diferentes práticas adotadas visando a ampliar as possibilidades de vitória da chapa da Reação Republicana, o desenrolar da campanha sucessória e a aproximação do pleito evidenciavam os limites dessas estratégias. A cooptação dos elementos dissidentes não era fácil de ser efetivada, e muitas adesões esperadas não se concretizaram. As práticas políticas vigentes na Primeira República, baseadas no compromisso coronelista, implicavam uma postura de reciprocidade em que cada parte
tinha algo a oferecer. No caso da Reação Republicana, poucos eram os trunfos que podiam ser usados para obter o apoio eleitoral dos oligarcas e coronéis do interior, já que a máquina federal não podia ser usada na distribuição de privilégios e favores. Por outro lado, a campanha eleitoral, por mais sucesso que obtivesse, não era capaz de definir o pleito. Ainda que sem abrir mão dessas iniciativas, tornava-se fundamental contar com alternativas mais eficazes: era preciso encontrar um novo parceiro político
capaz de antepor-se às oligarquias dominantes. Os militares eram o segmento ideal.Os conflitos entre os militares e o governo federal já haviam marcado vários momentos da política republicana. A posse de Epitácio Pessoa e a posterior escolha de civis para ocupar as pastas militares durante seu governo só fizeram acirrar as dificuldades (CARVALHO, 1982) O retorno de Hermes da Fonseca da Europa em novembro de 1920 recrudesceu os antagonismos, e sua eleição para presidente do Clube
Militar em 1921 abriu novas articulações em torno de seu nome, que chegou a ser cogitado para a sucessão presidencial. A não concretização de sua candidatura veio aumentar ainda mais a insatisfação dos militares, o que os tornava aliados em potencial das oligarquias dissidentes. De fato, desde o lançamento do manifesto da Reação Republicana no Rio de Janeiro ficaram claras as preocupações de obter uma aproximação com os militares, através da crítica à posição secundária que lhes vinha
sendo atribuída pelo governo federal. Também nos estados a campanha eleitoralprocurou a adesão e a  simpatia dos elementos militares distribuídos pelas várias regiões.
O ponto culminante desse processo de aproximação se deu com o episódio das chamadas "cartas falsas", supostamente enviadas por Bernardes a Raul Soares, contendo referências desrespeitosas aos militares. A publicação desses documentos pela folha Correio da Manhã visava claramente incompatibilizar o candidato situacionista com os militares e envolvê-los definitivamente na causa dissidente.
A despeito do clima de intensa agitação política que marcou os primeiros meses de 1922, as eleições presidenciais realizaram-se na data prevista, em 1o de março. Os resultados eleitorais, controlados pela máquina oficial, deram a vitória a Bernardes, com 466 mil votos, contra 317 mil de Nilo Peçanha (CARONE, 1971, p. 345) Mais uma vez o esquema eleitoral vigente na República Velha funcionou para garantir a posição do candidato oficial. Diferentemente dos pleitos anteriores, porém, não houve uma aceitação dos resultados eleitorais pela oposição. A Reação Republicana não reconheceu a derrota e, além de reivindicar a criação de um Tribunal de Honra que arbitrasse o processo eleitoral, desencadeou uma campanha visando de uma lado manter a mobilização popular, e de outro aprofundar o processo de acirramento dos ânimos militares.
As possibilidades de subversão da ordem e de intervenção militar tornavam-se por sua vez cada vez mais concretas. Ainda em meados de maio de 1922, Dantas Barreto, já suspeitando da crise que iria eclodir em Pernambuco, telegrafou a Nilo declarando: "Tribunal de Honra ou revolução." A rebelião eclodiu finalmente em 5 de julho e contou com a participação das guarnições de Campo Grande, Niterói e Distrito Federal.
Este levante militar, que ficou conhecido como Dezoito do Forte de Copacabana, é considerado a estréia dos tenentes no cenário nacional (PRESTES,1997, p.70).
A tentativa de revolta no entanto fracassou desde o começo, sendo logo sufocada pelas forças federais. O movimento não obteve a adesão de segmentos militares expressivos e as oligarquias dissidentes, que tanto haviam contribuído para acirrar os ânimos militares, não se dispuseram a um engajamento mais efetivo. Epitácio pediu imediatamente a decretação do estado de sítio no Estado do Rio e no Distrito Federal, e grande número de deputados dissidentes do Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco votaram a favor da medida, demonstrando um recuo das oligarquias e a desarticulação
completa da Reação Republicana. Nos meses seguintes, a repressão desencadeada pelo governo fortalecido de Epitácio determinou inúmeras prisões e instaurou vários processos.
O tenentismo recebeu esta denominação uma ve z que teve como principais figuras não a cúpula das forças armadas mas oficiais de nível intermediário do Exército – os tenentes e os capitães. O alto comando militar do Exército manteve-se alheio a uma ruptura pelas armas, assim como a Marinha. O  movimento, que tomou proporções nacionais, empolgou amplos setores da sociedade da época, desde segmentos oligárquicos dissidentes aos setores urbanos (camadas médias e a classe operária das
cidades).
O grande mal a ser combatido eram as oligarquias, já que segundo os tenentes, elas haviam transformado o país em “vinte feudos” cujos senhores eram escolhidos pela política dominante. Embora na época não chegassem a formular um programa antiliberal, e não obstante suas profundas contradições e seu vago nacionalismo, os tenentes identificavam-se com a defesa de propostas como a reforma da Constituição, a limitação da autonomia local, a moralização dos costumes políticos e a unificação da justiça e do ensino, assim como do regime eleitoral e do fisco (PRESTES, 1997, p. 97)
Meses após ter sido debelado o primeiro levante, em novembro de 1922, Arthur Bernardes tomou posse. Visando garantir a estabilidade de seu governo o presidente decretou o estado de sítio no Rio de Janeiro aprofundando o movimento de repressão.
Para homenagear o movimento de 1922, dois anos depois eclodiria o chamado 5 de julho em São Paulo. Em 1924, contudo, a articulação dos militares foi melhor preparada. O movimento tinha como objetivo a derrubada do governo de Arthur Bernardes, visto pelos tenentes como ícone das oligarquias dominantes. A ação do grupo foi iniciada com a tomada de alguns quartéis. Apesar dos tenentes conseguirem se instalar na capital paulista, com a ação repressiva do governo que não distinguia rebeldes dos civis os tenentes resolveram abandoná-la, deslocando-se para o interior de São Paulo onde também eclodiam revoltas. Fixando-se em seguida no oeste do Paraná as tropas vindas de São Paulo enfrentaram os legalistas à espera dos “tenentes” provenientes do Rio Grande do Sul, onde as revoltas tiveram à frente figuras como João Alberto e Luís Carlos Prestes e contaram com a oposição gaúcha PRR. Em abril de 1925 as duas forças se juntaram dando origem à Coluna Miguel Costa-Luís
Carlos Prestes.
Momento culminante das revoltas tenentistas e episódio mais importante da saga dos tenentes, a Coluna, organizada sem que um plano tivesse sido previamente traçado, com seus 1500 homens, percorreu cerca de 25 mil quilômetros, atravessando 13 estados brasileiros, propagando a revolução e o levante da população contra as oligarquias, até que seus remanescentes dirigiram-se para a Bolívia e para o Paraguai. Com o fim da Coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes, estava eliminado o
último foco de contestação do regime.
O governo Washington Luís decorreu em clima de relativa estabilidade. Os confrontos que marcaram os primeiros anos da década de vinte pareciam estar contornados. Em 1929, iniciou-se um novo processo de sucessão presidencial. Tudo indicava que as regras que norteavam o funcionamento da política até então seriam mais uma vez cumpridas: as forças da situação, por meio do presidente da República, indicariam um candidato oficial, que deveria ser apoiado por todos os grupos
dominantes nos estados. Dessa vez, contudo, a cisão se processaria no cerne do próprio grupo dominante.
Washington Luís, resolvido a fazer seu sucessor, indicou Júlio Prestes, paulista como ele e então presidente do estado, como candidato oficial. Com isso, rompia-se o acordo tácito com Minas, que esperava ocupar a presidência da República. A divergência entre Minas e São Paulo abriu espaço para que outras disputas e pretensões, sufocadas num passado não muito distante, pudessem ressurgir. Nesse contexto, em julho de 1929, contando com o apoio mineiro, foi lançada a candidatura de
Getúlio Vargas, ex-Ministro da Fazenda de Washington Luís e então governador do Rio Grande do Sul, tendo como vice na chapa dissidente o governador da Paraíba, João Pessoa. Estava formada a Aliança Liberal, uma coligação de forças políticas e partidárias pró-Vargas. Sua base de sustentação era o situacionismo de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, e mais alguns grupos de oposição ao governo federal de vários estados, tais como o Partido Democrático (PD),16 criado em 1926 em São Paulo, e facções civis e militares descontentes. Com uma composição cuja característica mais
pronunciada era a heterogeneidade, a Aliança Liberal explicitava as dissidências existentes no interior das próprias oligarquias estaduais.
Sob o lema “Representação e Justiça,” sua plataforma estava voltada fundamentalmente para a regeneração política, o que implicava na luta pela reforma eleitoral, com a criação de uma justiça eleitoral, na defesa do voto secreto, da moralização dos costumes políticos e das liberdades individuais. Ao propugnarem pelo liberalismo, as oposições pretendiam tornar o sistema político mais representativo ao nível da classe dominante, integrando à mesma as frações da elite não representadas na estrutura de poder, além dos segmentos médios urbanos que se desenvolveram em função da expansão econômica (VIZENTINI, 1983, p.74). O programa propunha além das já mencionadas reformas políticas, a anistia para os revoltosos dos anos vinte e medidas de proteção ao trabalho como a aplicação da lei de férias e a regulamentação do trabalho de menores e o da mulher.
A acirrada disputa eleitoral foi agravada pela profunda crise econômica mundial provocada pela quebra, em outubro de 1929, da bolsa de Nova York. No final desse ano já havia centenas de fábricas falidas no Rio de Janeiro e em São Paulo, e mais de um milhão de desempregados em todo o país. A crise atingiu também as atividades agrícolas, especialmente a cafeicultura paulista, produzindo uma violenta queda dos preços do café e liquidando o programa de estabilização do governo que vinha sendo implementado.
As eleições se realizaram em março de 1930 e a vitória coube a Júlio Prestes, que recebeu cerca de um milhão de votos, contra 737 mil dados a Getúlio Vargas.
Passadas as eleições, setores da Aliança Liberal não conformados com a derrota, buscaram uma aproximação com lideranças do movimento tenentista que, embora derrotas, continuavam sendo uma força importante por sua experiência militar e seu prestígio.
Um acontecimento inesperado deu força à conspiração revolucionária. Em 26 de julho de 1930, o candidato a vice da Aliança Liberal, João Pessoa, foi assassinado em Recife. Embora as razões do crime tenham sido passionais e não políticas, ele foi transformado em mártir do movimento que se articulava. Nos meses seguintes, a conspiração recrudesceu com a adesão de importantes quadros do Exército. A conspiração acabou estourando em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, no
dia 3 de outubro de 1930. Em seguida, ela se alastrou para vários estados do Nordeste. Em todos esses locais, após algumas resistências, a situação pendeu para os revolucionário. Em 24 de outubro, os generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Leite de Castro e o almirante Isaías Noronha depuseram o então presidente Washington Luís, no Rio de Janeiro, e constituíram uma Junta Provisória de Governo. Essa Junta tentou permanecer no poder, mas a pressão das forças revolucionárias vindas do sul e das
manifestações populares obrigaram- na a entregar o governo do país a Getúlio Vargas, empossado na presidência da República em novembro de 1930.
A chegada de Vargas ao poder deu início a uma nova fase da história política brasileira.

Marieta de Moraes Ferreira
Surama Conde Sá Pinto

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