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domingo, 22 de julho de 2012

Analisando "O grito do Ipiranga"

Quando falamos em indepêndecia do Brasil, logo vem ao nosso imaginário, o tão famoso grito de dom Pedro às margens do rio Ipiranga e o quadro pintado por Pedro Américo para representar aquele momento decisivo, em que Brasil se separava de Portugal oficialmente.

Nele, nosso primeiro imperador ergue a espada num gesto de desafio, que conta com o apoio resoluto dos civis que o seguem e das tropas reunidas ao seu lado.

Por mais inspiradora que seja a cena representada, ela tem pouco de realidade. No livro "O Brado do Ipiranga", a historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira, faz uma análise detalhada da pintura, evidenciando toda a fantasia que seu autor projetou nela. Aliás, o próprio Pedro Américo, já havia escrito sobre o assunto um livreto, chamado "Algumas Palavras acerca do Fato Histórico e do Quadro que o Comemora". Nele, o artista afirma que "a realidade inspira, e não escraviza o pintor", justificando sua imaginação criadora. 
Por que, mais de meio século depois, a monarquia se interessou em resgatar esse pedaço da história? Ainda de acordo com Cecília Helena, as elites e os intelectuais tinham interesse em eternizar esses momentos para a configuração da nacionalidade. O século XIX é rico na chamada pintura histórica. Era, também, uma tentativa da sociedade de registrar seu tempo, já que, do contrário, provavelmente os fatos cairiam no esquecimento. O próprio Pedro Américo fala sobre isso em um folheto que escreveu ao concluir sua pintura: "É preciso conter a voracidade do tempo e tornar imortal algo que as gerações atuais não viram". No mesmo espaço tenta justificar as liberdades que teve ao imortalizar em tinta a rebeldia de D. Pedro: "A realidade inspira, e não escraviza o pintor". 
Nascido 21 anos depois do episódio, Pedro Américo só começou a trabalhar na pintura em 1885. A pedido de D. Pedro II, veio da Itália (onde ficava o seu atelier) para visitar a região do Ipiranga e estudar o terreno, a topografia local. Depois disso, o artista voltou à Europa e trabalhou até 1888, quando finalmente o quadro chegou ao Brasil - alojado, primeiramente, no Palácio do Governo, já que o prédio em homenagem à independência, o atual Museu Paulista, só seria concluído seis anos depois.
Jogo dos erros


Antes de mais nada é interessante apontar, para quem não sabe, as diversas inverdades estampadas na tela. Para começar, vale dizer que os fogosos corcéis montados por dom Pedro 1° e seu cortejo, na realidade, eram simplesmente mulas - um tipo de cavalgadura menos heróico, mas muito mais adequado ao duro percurso que os viajantes faziam. Eles tinham acabado de subir a serra do Mar, vindo de Santos.
 
Numa viagem como essa, por sinal, ninguém estaria usando os luxuosos uniformes apresentados. Com toda certeza, estariam usando trajes mais simples e mais práticos, provavelmente sujos do pó e da lama do caminho. Os numerosos oficiais de branco e penacho nunca poderiam ter sido tantos. "(Pedro Américo) aumentou muito esse número. A guarda do Imperador só foi organizada meses depois. Ele quis fazer uma encenação de caráter público para uma decisão que nunca poderia ter sido dada publicamente, que ninguém viu, já que estava a nove quilômetros do centro da cidade, no meio de um arrebalde, onde não havia nada", afirma a professora. 

Por isso, os simpatizantes da independencia e correligionários de D. Pedro dificilmente estariam ali. No canto direito, inclusive, há um senhor de cartola empunhando um guarda-chuva como se fosse uma espada. Uma lenda afirma que se trata de um tio de Pedro Américo, homenageado pelo pintor, mas a historiadora afasta essa possibilidade. "É mais para ornamentar a tela, para dizer que não apenas os tropeiros, mas a população civil se envolveu no assunto".

Para piorar, o próprio dom Pedro não poderia estar tão exaltado e bem disposto assim como o artista o representa. Afinal, ele havia parado naquele local em função de uma diarréia que o atormentava, devido aos seus excessos alimentares em Santos, na véspera.
 
Mas há mais: para que o Ipiranga e suas célebres margens integrassem a paisagem, o pintor "desviou" o curso do riacho. A rigor, ele estaria passando por trás de quem observasse a cena naquele local. Finalmente, quanto à casa de pau-à-pique vista no fundo da tela, ela pode ou não ser a que lá existe até hoje e que é conhecida como a Casa do Grito. Embora tenha sido tombada pelo Condephaat e fique aberta à visitação no Parque da Independência, o documento mais antigo que menciona a casa atual data de 1884 - 62 anos depois do grito da Independência.

Na verdade, o imenso painel pintado por Pedro Américo, que tem 7,60m de comprimento por 4,15m de altura, foi pintado em Florença, na Itália, entre 1886 e 1888. Entre sua concepção e seu acabamento, perpassam uma série de interesses políticos, que se relacionam ao declínio da monarquia brasileira e até aos ideais republicanos do pintor, embora este fosse protegido de dom Pedro II.

Houve também o atraso da construção do edifício-monumento onde o quadro se encontra entronizado até hoje, o Museu Paulista, inaugurado em 7 de setembro de 1895, quase seis anos depois da proclamação da República. Por fim, sobre a tela de Pedro Américo paira também uma suposição de plágio: a estrutura da cena é muito semelhante à do quadro "1807, Friedland", de Ernest Messonier, que retrata a vitória de Napoleão Bonaparte na batalha de mesmo nome como você pode ver abaixo, o primeiro é o quadro de Pedro Américo e o segundo de Ernest Messonier .


Ainda assim o quadro "Independência ou Morte" é uma das peças mais valiosas e emblemáticas da história nacional.


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